quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Histórias, Memórias de Kor Alessandro


Eu vivi em um bairro da periferia, ruas de barro, não tinha água encanada, onde se carregava a água em lata, na cabeça. A água vinha da fonte, uma espécie de buraco na terra, onde sai água natural ou do chafariz um lugar cheio de torneiras onde tínhamos que enfrentar uma grande fila para poder pegar água para beber e tomar banho. Era divertido por que muitas vezes gostávamos de molhar toda a roupa com o balanço da lata cheia de água, muitas vezes me faltava o equilíbrio e a lata caia... Muitas vezes minha mãe antes de ir para o trabalho botava ordem dizendo que Eu só podia brincar depois que enchesse a lavanderia, o filtro e o pote.

Eu estudava pela manhã, quando chegava da Escola comia depois ia carregar água, depois disso fazia as tarefas de casa, respondia os deveres da Escola e quase chegando à noite Eu ia para o terreiro, para frente de casa para brincar, quando minha mãe chegava do trabalho, cansada, ia lavar algumas roupas, fazer o jantar para noite e depois já não tinha mais graça por que tínhamos que dormir. Éramos tão pobres que não tínhamos televisão! No bairro em que Eu vivia quem tivesse uma televisão era melhor de vida, como minha mãe, não gostava que nós, eu e meus irmãos fossemos para a casa dos vizinhos, ela colocava a gente para “dormir junto com as galinhas”, uma maneira típica de falar, para quem vai para a cama cedo. Minha mãe também não se conformava, com a vida que tinha, Eu sempre a ouvia falando que um dia iria sumir e que não agüentava mais trabalhar e não ter nada! Mas que culpa tinha a gente? Eu me perguntava...

O tempo foi passando e Eu fui crescendo e sempre falando quando eu crescer, vou trabalhar para ajudar minha família, e vou morar no estrangeiro, mas ninguém acreditava. Um dia acordei e não encontrei minha mãe em casa, ela tinha ido embora, sem se quer se despedir da gente! Deixou a mim e a meus irmãos com a minha avó e minha tia, e Eu perguntei: minha avó para onde foi minha mãe? Minha avó respondeu: ela foi buscar uma vida melhor para a gente, não se preocupe por que mais cedo ou mais tarde ela voltará! Como fiquei triste, primeiro meu pai nos abandonou, depois a minha mãe... Que sina era aquela que Eu estava vivendo?

Não acreditava no que estava acontecendo e o que me deixava mais triste era quando tinha reunião de pais na escola, e os meus nunca estavam presentes, muitos colegas meus, perguntavam: onde estão seus pais? E Eu respondia estão de viagem! Ai como me entretecia isso, o tempo foi passando e depois de muito tempo fiquei sabendo que minha mãe estava morando em Brasília, Distrito Federal, a cidade parlamentar do Brasil, ali trabalhou por muito tempo depois se mudou para o Rio de Janeiro, em Copacabana, onde todos sonham em viver...

Eu fui crescendo e me conhecendo melhor, porém toda noite eu perguntava para minha avó: quando voltará minha mãe? Minha avó respondia: deixa de besteira e pergunta boba e vá dormir! Eu lá sei quando sua mãe vai voltar! E eu insistia: ela escreveu? Ligou? Mas eu não tinha resposta alguma! Um certo dia estávamos todos tomando café na noite, quando Eu vi parar um táxi na porta de casa e uma mulher muito bem arrumada e bonita descia do táxi com três malas. Ela parou na frente da casa de minha avó e gritou: Mamãe, eu cheguei! E minha avó já respondeu chorando: minha filha chegou! Eu fiquei assustado com tudo aquilo por que Eu já não reconhecia a minha mãe. E minha avó disse: Sandro abraça sua mãe! E Eu não tinha reação nenhuma, meus irmãos tampouco, pois ela passou muito tempo distante e Eu já não sabia mais dizer mamãe, ela se emocionou muito por que estávamos crescidos e a primeira coisa que ela perguntou foi: vocês não se lembram de sua mãe? E Eu respondi: Não! Então, ela nos abraçou e chorou, dizendo: voltei para ficar e acabar de criar meus filhos!

Essas e outras histórias no Livro “Negro, Gay e Imigrante” de Kor Alessandro.

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